Não obstante a tomada do noticiário por temas
relacionados a conflitos armados, o desenvolvimento e a superação da pobreza
continuam a ser relevantes objetos de estudos nas relações internacionais. O World Report on Child Labour 2015 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta,
nesse sentido, para a imbricada relação entre crescimento econômico, combate ao trabalho infantil e garantia
de dignidade no trabalho, entre outros fatores.
Conforme os pontos defendidos no relatório,
alcançar as metas estabelecidas na chamada Agenda de Desenvolvimento Pós-2015
perpassa, necessariamente, a continuidade de políticas públicas educacionais e
de seguridade social focadas nos grupos mais jovens da população. O documento
analisa dados de 28 países de renda baixa e média, incluso o Brasil, além de
apresentar os resultados de estudos de caso realizados na Índia, em Bangladesh
e no México.
Comparando o desempenho profissional daqueles que
começaram a vida laboral já aos 15 anos (ou antes) com aqueles que entraram no
mercado de trabalho após essa idade, o relatório revela que o trabalho infantil
leva a menor performance acadêmica e a empregos de remuneração baixa.
Para além do comprometimento cognitivo, o trabalho infantil também diminui as
chances de que o indivíduo encontre o chamado trabalho decente ou digno, isto
é, um emprego que englobe perspectivas de aumento de produtividade, renda
justa, segurança, proteção social paras famílias, liberdade de expressão,
igualdade de gênero e integração na sociedade.
Os dados coletados para o relatório apontam, nesse
sentido, que aqueles que abandonam a escola precocemente terão uma vida
profissional caracterizada por empregos instáveis e períodos frequentes de
desemprego. É sob essa perspectiva que o estudo também analisa a relação entre
as condições oferecidas pelo mercado de trabalho e o trabalho infantil.
Perspectivas limitadas
Trata-se de importante constatação: perspectivas
limitadas de emprego digno e decente servem como um desincentivo para o
investimento prolongado na educação infantil. O documento aponta que
famílias inseridas em contextos de mercado de trabalho precário tenderão a
investir menos em educação, privilegiando a inserção prematura da criança no
mercado como forma de obter uma renda complementar para a família.
Os estudos de caso apresentados no relatório
sugerem que o aumento da demanda por trabalhadores qualificados na economia é
acompanhado por incremento do tempo de escola de crianças e jovens, e por redução do trabalho infantil. Embora o
relatório destaque a existência de lacunas nos estudos sobre esse tema específico,
é importante destacar que a afirmação é plausível. O planejamento econômico de
um país deve ser global, integrando investimentos produtivos e gastos sociais
na estratégia de desenvolvimento. Dos casos relatados, dois chamam atenção.
Relatos da Índia e do México
Na Índia, o rápido crescimento do setor de
tecnologia da informação ao longo dos anos 1990 levou a aumento da demanda por
trabalhadores qualificados. Entre 1995 e 2003, observou-se que, sobretudo nos
distritos com maior influxo de empresas do ramo, houve aumento do número de
matrículas escolares. No México, a expansão da indústria de exportação nos anos
1980 e 1990 mostrou que os efeitos da expansão do número de fábricas dependem
do tipo de trabalho demandado.
Empregos que requerem trabalhadores não
qualificados tendem a gerar, no contexto local, impacto negativo no nível de
escolaridade, ao passo que empregos que demandam trabalhadores qualificados têm
o efeito contrário. Em síntese, os estudos de caso demonstraram a importância de analisar o problema do trabalho infantil conjuntamente
com a questão das perspectivas oferecidas pelo mercado de trabalho aos jovens.
Cuidados que devem ser tomados
É sob essa perspectiva que o relatório da OIT
dedica especial atenção ao grupo de crianças e adolescentes entre os 15 e os 17
anos de idade. Trata-se de faixa etária na qual os objetivos de combate ao trabalho infantil e
de melhora das condições de trabalho convergem.
É necessário assegurar que jovens não sejam postos
em empregos que ofereçam risco ao desenvolvimento das suas capacidades físicas,
psicológicas, cognitivas e sociais (hazardous work), algo que pode ser
determinante para o futuro laboral desses indivíduos. Resumidamente,
argumenta-se que essa faixa etária não tem recebido a devida atenção pelos
governos, algo que pode ser comprovado a partir dos números relativos a esse
grupo: adolescentes entre 15 e 17 anos de idade, em situação de hazardous
work, constituem 40% de todos aqueles empregados nessa faixa etária.
Outro tópico importante analisado no relatório é a
vulnerabilidade relacionada a gênero. Crianças e jovens mulheres enfrentam
dificuldades adicionais no que se refere ao acesso e à permanência na escola.
Para além dos motivos relacionados a casamento em idade precoce e a
responsabilidades domésticas impostas, meninas estão ainda submetidas ao perigo
da exploração sexual e a outras formas de
abuso, como o trabalho infantil doméstico na casa de terceiros.
O quadro passa a ser ainda mais preocupante quando
se tem em conta que diferenças culturais colocam esse grupo em situação ainda
mais complicada no quadro mundial. No Oriente Médio e no Norte da África,
tem-se que parte significativa da mão de obra feminina não possui qualquer
expectativa de efetivamente ocupar um emprego digno na vida adulta, a exemplo
da Jordânia, onde esse número chega a 63% da população de mulheres.
Caminhos para a resolução
Sobretudo a partir do viés socioeconômico, a
leitura do World Report on Child Labour 2015induz a reflexões acerca tanto
das relações internacionais de modo geral quanto, e principalmente, do momento
político que vive o Brasil. Como mencionado no relatório, políticas fiscais
equilibradas, bem como políticas públicas específicas para os grupos em
questão, são necessárias. Tendo em vista que, nas próximas décadas, o Brasil
experimentará o auge e declínio do chamado “boom demográfico” – período em que
a população de adultos é superior à soma das populações de crianças e idosos –,
este é o momento de refletir cuidadosamente sobre as decisões que tomamos no
que se refere às populações jovens do país.
Historicamente, da escravidão às escolhas políticas
e econômicas tomadas nos momentos de crise vividos nos últimos dois séculos, o
Brasil consistentemente optou por reformas que sacrificavam grandes massas em
favor de um suposto bem-estar vindouro. Talvez seja o momento de mudarmos essa
tradição de “desperdiçar gente” em nome de um crescimento econômico futuro que
é, geralmente, desigual.
Por João Henrique Nascimento Dias, em Rede
Peteca
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